Um conto de Marona Beja mais próximo da realidade que as declarações de Passos | Dia Internacional de Combate à Precariedade
É com enorme prazer que editamos o breve conto “Pico de Estrelas” de Filomena Marona Beja e que hoje o fomos oferecer aos deputados, deputadas e à Presidente da Assembleia da República para assinalar o dia internacional de combate à precariedade.
Numa altura em que se deturpa publicamente a realidade e em que podemos ouvir expressões como “temos hoje menos precariedade”, “a ideia de que o desemprego só baixa porque as pessoas emigram é falsa” ou “o nível de imigração não é muito diferente daquilo que era em 2007 ou 2008” vindas directamente da boca do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, nada como a ficção para nos lembrar realidade. O conto de Filomena Marona Beja revela o drama de centenas de milhares de pessoas desenraizadas, exiladas por políticas repressivas e cruéis. É uma história dura, porque é real, porque retrata a precarização e destruição de gerações inteiras, forçadas a partir de um país em circunstâncias que não desejavam. É duro porque retrata também a realidade da panaceia da emigração que tudo cura. Retrata a precariedade e também a falta de condições também nos países de chegada, que afecta milhares de migrantes.
Aproveitamos esta ficção para trazer também alguma realidade tão crucial para poder-se manter o mínimo de sanidade no discurso público e na interlocução entre os agentes sociais. Não, hoje não há menos precariedade, há muito mais precariedade do que há três anos atrás. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, comparando com Junho de 2011, a população activa é menor (menos 200 mil pessoas), a população empregada é mais pequena (menos 230 mil pessoas), há menos trabalhadores por conta de outrem (menos 100 mil), menos pessoas a trabalhar a tempo inteiro (menos 200 mil) ou com contratos sem termo, há mais subemprego e muito mais inactivos (mais 160 mil). Mas é importante perceber que há mais informação importante – destruíram-se mais de um milhão de contratações colectivas e hoje um contrato de trabalho não vale o mesmo do que valia há três anos atrás e, portanto, hoje ter um contrato sem termo e a tempo inteiro não dá segurança laboral mas, pelo contrário, precarizaram-se as formas de trabalho mais estável. Além disso, as compartimentações estatísticas criadas para dividir os desempregados e baixar os números do desemprego, como a criação da categoria de “ocupado”, que subiu mais de 60% no último ano, escondem esquemas como as formações e os Contratos de Emprego Inserção que servem para colocar desempregados a trabalhar sem lhes pagar salários e suprir os despedimentos na função pública. Apesar de tudo isto, o indesmentível é indesmentível e o INE acaba de anunciar um aumento do desemprego oficial para 13,4% em Outubro.
Finalmente, no que diz respeito à emigração, a realidade é mais dura e dramática do que qualquer ficção. Segundo o Eurostat, em 2009 emigraram 16 mil portugueses e em 2010, 23 mil. Mas foi em 2011 que se iniciou o êxodo de centenas de milhares: 100 mil em 2011 e 121 mil em 2012 (segundo a PORDATA), perto de 110 mil em 2013, segundo o Observatório da Emigração. Tudo indica que esta tendência se tenha mantido em 2014, possivelmente com algum agravamento. Portanto não, não voltámos aos níveis de emigração pré-crise. Voltámos aos níveis de emigração dos anos 60. Segundo o projecto europeu Generation E, as estatísticas de emigração na Europa devem estar muito subestimadas. Este projecto indica que Portugal terá perdido desde 2010 mais de 200 mil jovens entre os 20 e os 40 anos de idade. É o futuro que vai embora.
Assinalamos o Dia Europeu de Acção Contra a Precariedade e a Injustiça Social utilizando a ficção de Filomena Marona Beja para mostrar o drama de um país, das suas várias gerações e das suas pessoas. Esse drama leva nas suas palavras e linhas a verdade. Esta verdade, estas palavras e as mais insuspeitas estatísticas chocam directamente com o discurso oficial do governo. Há mais precariedade, a emigração não para de aumentar e o desemprego está camuflado. E é essa realidade inescapável que temos que atacar para recuperar um futuro enquanto sociedade.
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