VIII. O quer o Governo? | Privatizar: vender sectores estratégicos a preços de Saldo
Os adeptos das privatizações gostam de nos informar que o Estado é um mau gestor quando comparado com os privados, que a receita vinda das privatizações é importante para combater o défice e que os privados que irão gerir os meios outrora públicos acrescentarão valor às empresas que foram vendidas.
Mas esta visão não é verdadeira. A maioria do que é privatizado são as empresas ou as partes das empresas que dão lucro – i.e., o Estado perde uma fonte de receitas para combater o défice e só fica com o que dá prejuízo -; as empresas privatizadas são, por norma, monopólios ou oligopólios, pelo que os privados não terão concorrência e passarão a usufruir de uma renda; os gestores privados não gerem melhor do que os gestores públicos (vejam-se os casos dos hospitais públicos com gestão privada); e o Estado e a sua acção dão valor à economia e esse valor é contabilizado no PIB.
E o que pretende vender o Governo nesta legislatura? Será que o país está em Saldos?
O Programa do Governo fala de algumas das privatizações que foram acordadas com a troika, mas omite ou esconde com artifícios de escrita outras tantas. Por isso, o melhor é começarmos por ver o que a troika escreveu no famoso memorando de entendimento.
A maioria das privatizações que estão planeadas estão na página 14 do memorando. Aí pode ler-se claramente que haverá uma “aceleração do programa de privatizações” para vender a ANA, a TAP, a REFER, a GALP, a EDP, a REN, os CTT, a Caixa Seguros e outras empresas mais pequenas. Para além disto, e na mesma página, lê-se que o Governo deve “preparar um inventário de empresas municipais e regionais e do parque imobiliário para preparar a sua privatização”.
Já o Programa do Governo é mais ardiloso sobre esta temática.
A primeira coisa a ter de ser vendida será o BPN (pág. 25) que, se bem se recordam, foi nacionalizado em 2008 porque os seus administradores o levaram à bancarrota burlando os seus depositantes e arrecadando milhões de euros. Já foram gastos mais de 5 mil milhões de euros e o Governo anterior não foi capaz de encontrar um comprador para o banco e dificilmente se encontrará um investidor ainda este mês que queira ficar com os prejuízos daquele buraco sem fundo.
Depois temos todo o sector dos transportes, onde se insere a ANA, a TAP, a REFER, a Carris, os STCP e o Metro de Lisboa. Todas estas empresas serão privatizadas até ao fim de 2012 de acordo com o descrito nas páginas 25, 44 e 45 do Programa de Governo. Como há pressa em privatizar, até porque algumas destas empresas têm prejuízos que advêm não da má gestão mas antes do seu modelo de financiamento, certamente que todo o sector dos transportes será alienado por uma fracção do seu valor. Para além disso, todas estas empresas não têm nenhum concorrente no mercado, ou seja, não haverá nenhum outro operador a realizar o mesmo serviços e como nunca poderão cobrar um preço demasiado alto terá de ser o Estado na mesma a financiar os prejuízos mas, desta vez, com lucros para os privados.
A Águas de Portugal também está na mira do Governo, primeiro vendendo o subsector dos resíduos (pág. 60) e depois abrindo a empresa pública “à participação de entidades públicas estatais ou municipais (bem como de entidades privadas na gestão do sistema) ” (pág. 59). É então este o projecto do Governo: privatizar a água, ou a sua distribuição. Isto é muito injusto, pois não existe bem mais público do que a água e agora teremos os privados a mandar num sector absolutamente estratégico e sem concorrência.
Mas também haverá uma parte da saúde a ir parar às mãos dos Mellos e das Misericórdias tal como está expresso na página 80 do Programa.
Nos próximos anos o país será vendido a preço de saldo, tal como está a acontecer na Grécia. Os sectores mais críticos como a Segurança Social, a Saúde, as Águas, os Transportes e as Golden Shares que nos restavam serão vendidos e o país ficará mais pobre.
Acresce que a privatização das grandes empresas, nomeadamente as que gerem recursos como a àgua, os transportes ou a energia, mesmo sendo privadas e de capitais nacionais correm o sério risco de sofrerem de Ofertas Púplicas de Aquisição (OPAs) de outras empresas estrangeiras do sector. Não é que os grandes capitalistas nacionais tenham mais ética do que os capitalistas estrangeiros, mas é sempre mais fácil controlar os excessos das empresas nacionais. Se o nosso poder de decisão económica já é diminuto a alienação dos recursos estratégicos pode afectar a capacidade de decisão e a democracia.
by