A maioria absoluta e os seus amigos: patrões, banqueiros e agências de rating

A vitória do PS no passado domingo deu a António Costa uma maioria absoluta que, tendo pedido, já não esperava. Para lá do debate sobre as razões para este desfecho que parecia improvável – o efeito das sondagens que garantiam um “empate técnico” (que acabou numa diferença de 14 pontos percentuais), o crescimento do voto útil no PS por medo do regresso ao Governo de uma direita radicalizada – a verdade é que se inicia agora um novo ciclo político. Livrando-se dos compromissos com o campo do trabalho, o poder absoluto atrai os poderes de sempre. Os festejos de patrões, banqueiros e agências de rating mostram bem para que serve a dita “estabilidade” da maioria absoluta.

António Saraiva, presidente da CIP, tinha já apresentado o programa dos patrões em plena campanha eleitoral: despedir funcionários públicos, diminuir impostos para as empresas, congelar os salários, impedir avanços nas regras do trabalho. Com a inesperada maioria absoluta, saltou como uma mola para festejar a tão desejada estabilidade e para lembrar que é a grande oportunidade para fazer as reformas, sempre as reformas, avisando logo que o salário mínimo não pode continuar a subir sem mais nem menos, sem esquecer de exigir mais uma borla nos impostos e de cravar mais transferências de dinheiro público para as empresas em tempos de PRR. Os patrões sabem bem que este programa é um retrocesso e um ataque à maioria da comunidade, por isso empurram e dizem que o Governo tem de merecer o seu poder absoluto: é tempo de fazer a vontade ao privilégio e aguentar a inevitável contestação.

Os banqueiros celebraram a “vantagem” e a “enorme oportunidade” da maioria absoluta. Não surpreende, sabe-se que a banca é feita de gente que aprecia estabilidade e protecção, como o passado recente não nos permite esquecer. Numa semana repleta de alegrias, os chefes do BPI e do Santander apresentaram lucros crescentes e saudaram o novo ciclo político. Gente séria, que passou a pandemia a despedir enquanto acumula milhões de lucros: o Santander, depois de atirar para fora do banco cerca de 1400 pessoas no último ano, apresenta agora 298 milhões de euros de lucros e anuncia que vai distribuir 480 milhões de euros aos accionistas. De caminho, fica a mensagem: vem aí muito dinheiro do PRR e é preciso saber quem manda, continuar a “consolidação orçamental” (ou seja, manter o garrote apertado no investimento público, que degrada os serviços públicos e diminui as respostas sociais) e, claro, já agora, cortar nos impostos da pobre banca.

Mas talvez nada seja tão revelador como ver o poder obscuro das agências de rating a aplaudir a maioria absoluta. Uma saudação que é uma verdadeira chantagem ao país, vinda de quem sabe que continua a ter o inexplicável poder de decidir que países conseguem ou não suportar a sua dívida pública. Moody’s, Fitch e DBRS vieram, em coro, dar vivas à estabilidade e anotar que acaba finalmente a maldita “incerteza” e se afastam os “riscos políticos” e “orçamentais” das medidas propostas pela esquerda, nomeadamente a eliminação da dupla penalização nas pensões e as alterações à legislação laboral, como a remoção das regras da troika que ainda lá estão. Mais claro não podia ser.

Os amigos que se juntam à volta da maioria absoluta, que abraçam o novo poder e lembram quem manda, são o seu cartão de visita. Os primeiros sinais já aí estão. O Orçamento de Estado para 2022, o tal que não podia falhar e que Costa mostrou na TV como se fosse coisa sagrada, parece que afinal vai ter uns retoques para poupar os do costume. E já se preparam recuos nas promessas de alterações à legislação laboral onde podia haver alguns avanços: a dita Agenda do Trabalho Digno, proposta que o Governo anterior apresentou para ficar em banho-maria até às eleições, passou a ser incerta e “sob pressão”, diz o Expresso. Além de outras matérias relevantes, a perspectiva de avanço real no reconhecimento do contrato de trabalho nas plataformas digitais, depois das oportunas promessas em período eleitoral, parece estar agora em causa e nas mãos dos patrões. É o início de uma maioria absoluta que, como todas, exigirá a força colectiva nas lutas pelo trabalho e pelos direitos.

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